
Sabedoria antiga e ciência moderna: alimentos-medicina podem abrir novas vias no tratamento do cancro
A ideia milenar de que determinados alimentos podem também atuar como agentes terapêuticos — conhecida como “food and medicine homology” (FMH) — volta a ganhar relevância, desta vez com potencial aplicação na oncologia. Um artigo de opinião científica, publicado na revista Food & Medicine Homology por investigadores da China e da Turquia, defende que esta abordagem pode oferecer novas oportunidades no combate ao cancro, desde que acompanhada por rigorosa validação científica.
O princípio, documentado em textos históricos como o Shang Han Za Bing Lun e ainda hoje presente em práticas de medicina tradicional em várias regiões do mundo, assenta no uso de substâncias de origem natural com benefícios nutricionais e propriedades farmacológicas. Estas substâncias, argumentam os autores, distinguem-se pela baixa toxicidade e pela possibilidade de uso prolongado, tornando-se candidatas promissoras para terapias complementares menos agressivas.
“A exploração da homologia entre alimento e medicamento não é um regresso acrítico à tradição, mas uma tentativa fundamentada em ciência para revelar o seu verdadeiro valor”, sublinha Meng-Yao Li, professor do Shanghai Cancer Institute.
Vantagens múltiplas
Segundo os investigadores, os compostos FMH podem atuar em vários alvos biológicos em simultâneo, permitindo:
- Inibir a progressão tumoral,
- Reverter resistências a fármacos,
- Potenciar a eficácia da quimioterapia e radioterapia,
- Reduzir efeitos secundários dos tratamentos convencionais,
- Corrigir desequilíbrios metabólicos causados pela doença.
Para além do impacto clínico, este tipo de abordagem é mais acessível e culturalmente aceite, o que poderá aumentar a adesão dos doentes e alinhar-se com a transição global para um modelo de cuidados de saúde centrado na promoção do bem-estar, e não apenas no tratamento da doença.
Tecnologia ao serviço da tradição
As novas tecnologias estão a transformar a forma como estes compostos podem ser estudados. Desde a espectrometria de massa de alta precisão à farmacologia de redes, passando pela inteligência artificial e por modelos de órgãos em chip, já é possível identificar os componentes ativos, compreender os seus mecanismos e validar a sua segurança e eficácia.
O caminho a seguir
Para os investigadores, o próximo passo passa por estudos laboratoriais aprofundados e ensaios clínicos estruturados, que avaliem não só os compostos isolados, mas também o efeito de extratos completos. O objetivo final é chegar a guias clínicos normalizados que permitam integrar a FMH na prática oncológica.
“Queremos transformar esta sabedoria antiga em benefícios clínicos concretos”, afirma Gokhan Zengin, professor da Selcuk University e coautor do estudo.
Apesar do otimismo, os cientistas são claros: a FMH não é uma cura milagrosa. Porém, integrada de forma criteriosa e sustentada na oncologia moderna, pode reforçar a eficácia dos tratamentos, reduzir toxicidade e melhorar a qualidade de vida dos doentes oncológicos.