
“Me Love You Long Time” – A Comodificação na Era do Turismo
Por Carlos Picanço, Profissional de Turismo
Num mundo onde as selfies são a nova moeda e experiências autênticas vêm com um toque de Wi-Fi, encontramos-nos no grande teatro do turismo. O palco não é um drama shakespeariano, mas as ruas movimentadas de cidades outrora calmas e paraísos antes intocados, agora marcados pelos efeitos da “troca cultural”.
A frase “Me love you long time” vem de uma cena no filme de 1987 de Stanley Kubrick, “Nascido Para Matar”, uma obra que explora brilhantemente a Guerra do Vietname. O filme é dividido em duas partes: o treino brutal dos recrutas e as suas experiências subsequentes no Vietname. Numa cena icónica, uma senhora vietnamita aborda dois soldados americanos, oferecendo os seus serviços com a frase “Me love you long time.” Esta frase, destinada a seduzir os soldados, tornou-se num simbolo da cultura pop, simbolizando a mercantilização e a exploração inerentes a tais transações.
No contexto de alguns destinos turísticos, temos a nossa personagem: o local. Outrora portador orgulhoso de ricas tradições, agora é reduzido a uma caricatura viva, um souvenir ambulante e falante para as hordas famintas de turistas. “Me love you long time,” ecoa o vendedor, não com sinceridade, mas com o cansaço de alguém que já disse essas palavras mil vezes, o seu significado perdido na transação. Isso não é amor, mas uma performance, uma ilusão elaborada para separar o turista, supostamente abastado, do seu dinheiro. Amor, nesse contexto, é uma mercadoria, vendida à hora, sem grande valor, em troca de uma selfie ou de um plástico.
Nesta imagem satírica, o turista desempenha o papel do explorador benevolente, convencido da sua justiça enquanto “descobre” culturas que existem há séculos. Procura memórias, indiferente ou inconsciente do preço pago pela cultura local. “Hey baby, you got girlfriend Vietnam?” são questionados, não se importando, pois não buscam uma conexão genuína, mas um momento passageiro de emoção exótica. Os mercados e as ruas cheios de falsa “autenticidade”, com cada item a ser um testemunho da comodificação da identidade cultural.
E quanto aos locais? São os atores relutantes nesta farsa. A sua rica herança cultural destilada em pequenos pedaços, atrativos para o consumo estrangeiro. Os festivais tornam-se oportunidades fotográficas, os rituais são transformados em histórias do Instagram e o sagrado é sacrificado no altar do todo-poderoso euro e dólar turístico. “Me so horny. Me so horny,” repete-se, um mantra de sobrevivência num mundo que mercantilizou a sua própria existência.
A ironia é tão grande quanto os problemas que enfrentam, trazidos pela própria indústria que prometeu prosperidade. Os turistas, com os seus guias e boas intenções, não percebem a futilidade da sua experiência. Partem com as suas malas cheias de produtos “locais” sem nunca perceber que não levaram nada de valor real e deixaram um rasto de destruição cultural. “My momma only gave me five dollars,” diz o turista, regateando o preço, alheio ao verdadeiro custo suportado pela comunidade local.
Nesta sátira, “Me love you long time” não é apenas uma frase de um filme. É o epitáfio de uma cultura que foi comprada e vendida. É um lembrete de que, na indústria global do turismo, até mesmo o amor pode ter uma etiqueta de preço, e a autenticidade pode ser apenas mais uma palavra à venda.
Não estamos aqui. Mas o perigo existe. Cabe aos locais e à gestão turística, não deixar isto acontecer e pugnar por um turismo que seja uma força para o bem.